SERÁ QUE É POSSÍVEL AMAR DUAS PESSOAS AO MESMO TEMPO?


Se você estiver apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo, escolha a segunda - se realmente amasse a primeira, nem teria olhado para o lado. Bom, pelo menos é isso o que você sempre ouviu dizer. Deve ter escutado também que, se é comprometida e se interessa por outro, significa que há algo de errado na relação original, que alguma coisa está faltando. E que você é sacana, safada, egoísta. Talvez você mesma já tenha concordado que é impossível cultivar dois amores simultâneos - por biologia ou moral. Até acontecer com você.



A verdade é que você já tinha encontrado um grande amor. Mas, de repente, se viu dividida entre ele e uma nova pessoa. E não entende: o seu relacionamento é ótimo e há cumplicidade, tesão, respeito. Vocês se sacam com um olhar. Por mais que você tente achar uma resposta, nada justifica ter se encantado por outro. E se sente péssima. Mas é mais forte do que você e não dá para resistir ao convite para um café, à carona esporádica, à troca de e-mails durante o dia. Você não tem culpa: o cara é interessante mesmo. Sei lá, rola uma compatibilidade intelectual, profissional, filosófica, musical. Você tem abertura para falar sobre assuntos que não fluem entre você e seu parceiro. É como se esse novo amor pertencesse a um mundo paralelo, que não colide com a realidade.

Não, você não é a primeira mulher do mundo a se ver entre um amor e uma paixão. O dilema é antigo. Mas, de uns tempos para cá, tomar essa decisão ficou mais difícil. Hoje somos muito bem resolvidas, bancamos as nossas decisões com propriedade. Ficamos mais racionais e aprendemos que toda escolha traz perdas e ganhos. Mas, apesar de dominar esse jogo de xadrez em muitos setores da vida, ainda patinamos nos assuntos do coração. Ok, trocar um amor por outro nunca foi fácil. Mas parece que o peso ficou maior. "Ao mesmo tempo que a mulher está mais independente, ela tem mais a perder. Justamente por ter tanta segurança em seus projetos, falhar em algum, ainda mais em um tão delicado, o relacionamento, significa dar um pulo no vazio e correr o risco de se esborrachar - nesse caso, ficar sozinha", diz a psicanalista Diana Corso, de Porto Alegre. Estamos adiando o casamento para poder investir em outras áreas de realização pessoal (carreira, viagens, cursos etc.) e fazer a melhor escolha - seu parceiro deve ter passado por um processo seletivo difícil. Então, quando se vê apaixonada por outro, você trava. Pensar em abandonar tudo a essa altura do campeonato e começar do zero (sem garantia) representaria um fracasso enorme no seu projeto de vida perfeita. E isso dói. Sua única certeza é de que essa situação não é sustentável por muito tempo. E você precisa decidir: vale ou não a pena jogar tudo para o alto e pagar para ver?


A linha é tênue

Não é preciso ser moderna ou desapegada demais para reconhecer que a vida comporta, sim, amores simultâneos. Mas, se você nunca viveu esse furacão de emoções, pode não entender de primeira. Afinal, quem está feliz no relacionamento nem olha para o lado, certo? De fato, não olha. Mas e se esse novo amor aparece na sua frente, sem você ter procurado por ele, e não lhe dá nem a chance de reagir? A publicitária paulistana Camila Fernandes, 31 anos, fazia parte do grupo de mulheres que não acreditavam nessa possibilidade. "Sempre critiquei amigas que se diziam divididas entre dois caras. Achava que era fogo de palha. Até que há poucos meses reencontrei um amigo do colégio no trânsito e começamos a conversar via Facebook. Eu estava tentando engravidar do meu marido, feliz no relacionamento. Mas fomos nos envolvendo e, quando percebi, já havia cumplicidade entre nós." A internet aproximou pessoas que, se não fosse pelo mundo online, jamais teriam contato. E, embora você pense que não tem nada de mais bater papo com o cara porque não o encontra pessoalmente, está enganada. "O que mais me assusta é que fiquei paralisada: nada disso muda o que sinto pelo meu marido, mas não consigo abrir mão do outro."
Esse sentimento, selvagem e sem freios, que pode ir com a velocidade que veio, é chamado de amor efêmero. Ou, simplesmente, de paixão - porque amor demanda intimidade e tempo (e pode vir ou não depois dessa fase). A verdade: ninguém está livre de se apaixonar. Na multidão de um show. No trabalho - pois passamos a maior parte do dia no escritório. E isso não faz de você uma pessoa ruim. Afinal, se existe algo que não conseguimos controlar, é o sentimento - o que fazemos com ele é outra história. O neurocientista Larry Young, autor do livro A Química Entre Nós (Best Seller), acende a polêmica: "Nosso cérebro está programado para se apaixonar por várias pessoas, às vezes ao mesmo tempo. Por mais que a sociedade nos imponha a monogamia, ela não é natural". Sentir atração por pessoas fora da sua relação é a coisa mais normal do mundo. Sim, há homens mais inteligentes, mais atraentes e mais carinhosos do que o que está ao seu lado. Essa é a vida: cheia de tentações. E você refaz a sua escolha todos os dias. O mesmo vale para o outro, que também já pode ter encarado esse dilema. "Não existe uma única pessoa que nos complemente em todos os sentidos. Sempre vai faltar algo", diz a terapeuta Lucia Rosenberg, de São Paulo. E geralmente são essas as brechas para um novo amor surgir. Pode perceber: quantas qualidades em comum têm o seu parceiro e esse cara? Provavelmente, poucas. A paixão tende a fugir do nosso padrão de relacionamento, e é por isso que ela consegue despertar em nós sensações que, até então, desconhecíamos. Cabe a você pesar o que é mais importante, qual a sua prioridade.

A decisão entre dois amores é difícil porque vai muito além do parceiro. Na verdade, você está escolhendo entre duas possibilidades de vida. E o peso de tomar a decisão errada é imenso.

Foto: Victor Affaro

Uma questão de ponto de vista

Não entenda mal: esse não é o sinal verde para você sair ficando com todo mundo e, depois, jogar a culpa na paixão. No fundo, você sabe se essa paixonite não passa de uma sede por novidades ou, ao contrário, se tornou um dos maiores dilemas da sua vida. A diferença é grande - e o sofrimento também. E isso separa um traidor nato de um ser humano comum, passível de amar e deixar de amar a qualquer momento. Mas pense no seguinte cenário: você está assistindo ao romance Diário de uma Paixão. Nele, a mocinha está noiva de um cara muito bacana, mas, pouco antes do casamento, reencontra um antigo amor (no caso, o Ryan Gosling - mas isso é só um detalhe). E fica sem saber o que fazer. Ela pesa: seu relacionamento é bom, maduro, gostoso - mas como ignorar os sentimentos fortes (e inesperados) pelo outro? Bom, nós, que estamos vendo pelo lado de fora, torcemos para que ela fique com esse ex-namorado. E quando eles se beijam debaixo da chuva, uau!, a gente vibra, chora e sonha em viver um momento como aquele. Mas e o tal noivo? Se esse filme fosse contado pelo ponto de vista dele, não seria uma história de amor - seria uma história triste, sobre traição, sem final feliz. E aí: ela deveria deixar de viver todas aquelas emoções por lealdade ao noivo? E a lealdade ao que ela estava sentindo, onde fica? "Decidir não trair o parceiro apenas por ética pode culminar na pior traição de todas: a si própria", diz Lucia. A questão é: de que adianta você viver esse romance e se arrepender pelo resto da sua vida? Ao mesmo tempo, de que  adianta você não viver esse romance e se arrepender pelo resto da sua vida? A decisão não tem nada a ver com o seu marido - depende apenas das regras que você combinou consigo mesma. E qual arrependimento quer carregar.
A moral e a ideia do "para sempre" impedem que a gente se entregue a novas experiências - o peso de trair a confiança que alguém depositou na gente parece quase insuportável. E você começa a se questionar: se quer tanto ficar com o outro, talvez seja melhor terminar o relacionamento para viver essa nova história. Ao mesmo tempo, tem medo de mergulhar em uma aventura, deixando pra trás tudo o que construiu, e descobrir, tarde demais, que foi uma besteira. Principalmente se você está em um relacionamento gostoso, que faz você se sentir feliz. De qualquer forma, não tem como escapar da DR mais difícil: a com você mesma. Nela, tentar identificar a natureza do seu sentimento e se o que está buscando é algo que falta no seu relacionamento mas pode vir a fazer parte dele - sem necessidade de começar uma outra história. E, se for o caso, conversar com seu parceiro sobre como podem melhorar.


Vai pagar para ver?

Por mais arrebatador que seja, tem um ponto até o qual a gente pode decidir o que fazer com todo aquele fogo, com as conversas paralelas, com a cumplicidade que foi construída entre você e o novo cara. E você escolhe ultrapassá-lo ou não - seja experimentando logo de uma vez, seja colocando um ponto final. E como seria bom se a gente tivesse garantias de que, sim, se você apostar, vai ser mais feliz. Ou, então, de que vai quebrar a cara e é melhor ficar onde está. Não dá para saber. "Muitas vezes, esse sentimento avassalador só existe porque vive de impossibilidade. Se passa para a vida real, ele acaba", diz o terapeuta Paulo Gaudencio, colunista de NOVA. Se a sua história é ou não uma exceção, você só descobre vivendo.


Aí, vem a decisão mais difícil: arriscar trair ou não? Como trocar um relacionamento por outro sem saber se o beijo bate, se o sexo pega fogo, se tem química, eletricidade? Complicado. Nessa hora, há três coisas que você precisa saber e pesar: 1) cada caso é um caso - não é porque deu certo ou não com a fulana que você deve fazer o mesmo; 2) o novo também fica velho - ou seja, o segundo amor uma hora vai cair na rotina; 3) a vida é feita de escolhas - e, ao optar por um, você abre mão de todos os outros. O que você tem de pensar é em como vai ser quando esse novo amor também perder a graça e a agitação do início: será melhor ou pior do que seu  relacionamento atual? No fim, a decisão certa será sempre aquela que permite que você deite sua cabeça no travesseiro em paz - e o que menos importa é em qual cama será.

É injusto comparar seu relacionamento atual, na fase atual, com a possibilidade de um novo amor. A novidade parece sempre mais instigante e mais intensa.


Paguei pra ver e fiquei sem nenhum

"Eu tinha o casamento ideal: um amor avassalador, sintonia na cama, um apê novo. Havia acabado de conseguir um ótimo emprego. Tudo parecia perfeito! Mas logo no primeiro dia de trabalho conheci o Carlos*. Até hoje não sei explicar, mas, quando o vi, meu coração acelerou, me arrepiei. Sempre fui careta, condenava traição. Mas era mais forte do que eu. Trabalhava até mais tarde só para ficar perto dele. O que sentia era devastador, incontrolável. E era recíproco. A troca de olhares e e-mails foi aumentando, até que administrar os dois amores ficou insustentável. E, uma noite em que ficamos apenas os dois até mais tarde, eu o beijei! Tinha que saber se aquilo era real. E era. Surtei, claro! Pensava: ‘Tenho um marido incrível, com quem fiz planos, como estou apaixonada por outro?’ Até mudei de área para tentar fugir. Não adiantou. Estava em guerra com meus valores, mas não resisti e transamos. A partir daí, foi ficando cada vez mais difícil abrir mão dele. Vivia em conflito, só que não podia me negar aquele amor - até hoje não me arrependo. Cinco anos depois, me separei. Mas preferi ficar sozinha." Rita*, 39 anos


Paguei pra ver e hoje sou mais feliz

"Tinha acabado de ter um filho com o amor da minha vida. A felicidade era visível. Assim como meus 23 quilos a mais. E voltei para o trabalho com a autoestima detonada. Estava carente quando me aproximei de Samuel*, que também era casado. Ficamos amigos, ele virou meu confidente. Ao seu lado, me sentia bem, em paz. Para ser sincera, não sei qual foi o momento em que tudo mudou. Mas passei a me arrumar melhor e, quando chegava ao trabalho, dava aquele frio na barriga. Foi aí que bateu: estava apaixonada. Eu não conseguia mais esconder. Me sentia sufocada, angustiada, minha produtividade caiu. Eu, com um bebê em casa, louca por alguém que não era o meu marido! Estava tudo errado! Resolvi, então, abrir o jogo com o Samuel, que não quis nada comigo. Durante meses, voltei para casa chorando sem parar. Estava sofrendo, precisava desistir desse novo amor. Quando parei de procurá-lo, ele confessou estar apaixonado, mas sem saber o que fazer. Ele havia se tornado o cara para quem eu corria. E não teve jeito: quatro meses depois, me separei. Ele, logo em seguida. Já estamos juntos há três anos. Foi uma luta, mas, sem dúvida, a melhor da minha vida." Fabiana*, 32 anos
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade das pessoas

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