AMOR: INICIO, MEIO E FIM


Análise Psicossocial do Amor e do Desamor Xavier Serrano Hortelano

O autor expõe sua visão a respeito do casal como um sistema humano temporal e funcional, cujo vínculo fundamental é o amor e o desenvolvimento da potencialidade de cada membro. Quando esta função deixa de ser cumprida  aparecem conflictos, a crise deve ser abordada, se necessário, com a ajuda de uma terapia de casal para amadurecer sua resolução ou para deixar de maneira cordial esta relação, para permitir que possa seguir existindo uma evolução pessoal sendo o ato da separação como o último ato de amor de um casal.



PAIXÃO E AMOR

Todas as pessoas adultas de alguma maneira, conhecem a experiência do amor, da paixão e também do desamor e das consequências emocionais que implica tudo isso.

Amor é um conceito abstrato, portanto, subjetivo, de fácil interpretação e que pode ser vivido em determinados momentos da vida, com determinados objetos, entendendo por objeto, aquilo que recebe afeto. O amor pode ser sentido com um filho, um animal, uma casa (objeto físico), uma entidade espiritual e também com uma pessoa, com um companheiro. Nessa ocasião, vou centrar-me no último caso. Irei descrever algumas particularidades do sentimento amoroso compartilhado, vivido com outro/a e que permite, facilita e desenvolve a instituição do casal.

Desde a psicologia profunda a função da relação do casal é a de poder desenvolver a capacidade de amar que existe em cada ser humano. A de poder ter espaço para canalizar esta parte do instinto do ser humano, esta necessidade vital, que é a capacidade de entrega, abandono, de expansão.

Dentro da lógica natural, da espontaneidade, o primeiro que aparece é o desejo, o impulso de atração a alguém. É um processo energético que ninguém pode explicar, mas não implica a criação de um compromisso, de um reconhecimento, nem que estas duas pessoas quarem compartilhar parte de suas vidas.

Existe diferença entre o amor e a paixão. Pode haver paixão sem amor, mas nunca pode haver amor se não há paixão. Porque até no amor místico há paixão.

Paixão significa uma exacerbação de um afeto vinculado, transmitido, canalizado em outra pessoa ou em outra entidade. Pode haver momentos de paixão sem amor, sendo somente uma pulsão a qual se compartilham momentos parciais sem problemas, sempre que haja um acordo. Se não há acordo é violação, não paixão.

Desde esta perspectiva, o amor do casal possui duas partes: O momento de apaixonar-se, que é um espaço em que a consciência perde os referentes, entrando um pouco na loucura, por ser um espaço atemporal, próprio; e o amor, que implica compromisso e eleição ao reconhecer a pessoa a qual apaixonou-se, como alguém para compartilhar a realidade cotidiana, com um projeto emocional, racional e sexual. Sempre fala-se de que o amor exige escolha. Ama porque escolhe e escolhe porque perde, assim, ama porque pode perder.

O reconhecimento passa pela existência de uma satisfação e do prazer de compartilhar. Desta perspectiva o que se deve analisar são as formas de relação que acontecem, levando em consideração que falar de modelos na relação humana é absurdo, porque existem muitas possibilidades de formas de relação, todas lícitas, se aceitas por ambos membros deste sistema humano. Portanto, deve ser uma relação transparente onde ambos possam estar num mesmo plano. Sem esta premissa, é complicado falar de uma relação amorosa.

Conhecemos o casal clássico, o qual supostamente, duas pessoas sentem-se atraídas e apaixonadas, criando um espaço próprio de convivência. Mesmo em casais que compartem espaços comuns, entrando mais numa dinâmica social tribal, onde não estão marcadas as funções hierárquicas – pai, mãe, filho – como estão na família ocidental. Na tribo, a responsabilidade da educação é mais ampla e portanto, há outras figuras, com as quais, o peso, a responsabilidade e o modelo de referência não cai estritamente sobre o pai e a mãe. As consequências educativas disto estão pouco estudadas, como também estão pouco estudadas as consequências de casais homossexuais que adotam filhos.

Há muitas modalidades no momento social atual, novas formas de relação que não sabemos quais consequências podem haver por ser muito pouco tempo de existência. Podemos opinar ideologicamente  mas não cientificamente. O que sim está estudado, e será o que centraremos mais para frente são as consequências traumáticas de uma separação destrutiva e as consequências favoráveis de uma separação cúmplice, construtiva.

Em geral, nos encontramos com dois modelos referenciais: O que nossos pais nos mostraram durante nossa convivência com eles, ou seja, o modelo educativo familiar, e o que introjetamos das experiências que pudemos viver afetivamente, emocionalmente e energeticamente com a primeira figura da nossa vida, nossa mãe, o que não se pode lembrar porque se deu aos princípios da nossa vida quando o sistema neuronal ainda não possui esta capacidade.


NOSSOS MODELOS RELACIONAIS

O primeiro momento, o funcional no qual se cria realmente uma dinâmica profunda e com amor autêntico, é o que é produzido na relação entre a mãe e o bebê, tanto a nível intrauterino como extrauterino. Condicionando inconscientemente nossa maneira de relacionarmos com aquele que amamos. Por exemplo, há pessoas que fusionam em excesso com o companheiro/a e vivem uma dependência extrema, porque, geralmente, viveram uma separação ou uma relação muito curta com a mãe durante este momento primitivo, e vivem nesta nova pessoa, homem ou mulher, um deslocamento de afetos maternos com todas as consequências que isso leva, tanto durante o tempo da relação como no período de ruptura, aos quais, nestes casos, é possível chegar a viver situações de violência ou fortes depressões.

Nascemos com a capacidade de amar, de abrirmos ao outro, havendo um movimento para fora, nossa estrutura está em movimento, está reciclando-se energeticamente  estando viva, portanto. Mas no nosso sistema social atual, a dinâmica familiar tende a ser fria e distante, limitando os afetos e as expressões emocionais, inclusive a espontaneidade da primeira infância. Com esta tendência inibitória existem muitas famílias em que a violência latente ou manifesta aparece cotidianamente. São nestes sistemas em que a criança vai se refugiando em um mundo imaginário que lhe impede o contato com a realidade.

Quando não se vibra e não sente ao outro, qualquer comportamento destrutivo pode ocorrer. O impulso surge de forma caótica, não havendo emocionalidade, portanto, não havendo censura ou ética que o breque. O modelo de referência que possuem, é o de petrificação, ou melhor, de ausência da experiência emocional. O único que lhes resta é a possibilidade de expressão desta emoção fora do núcleo familiar, necessitando a emergência das pulsões destrutivas que vivem na família e que não podem expressar em outros círculos. Assim, é quando acontece em circuitos que no fundo estão permitindo a canalização destas pulsões que não puderam viver no núcleo familiar. Grande parte da delinquência juvenil surge destes sistemas familiares que vão permitindo o cultivo desta violência social posterior ou paralela. Este é um referente  da Psicologia forense e jurídica para entender certas respostas extremas, delitivas, que fazem parte da psicopatia social. Um ser humano que está apenas numa situação de narcisismo permanente, isto é, ao que só se vê a si mesmo, será uma pessoa que progressivamente imaginará a realidade, desenvolvendo uma dinâmica patológica. Poderíamos dizer que o psicopata é o sujeito que levou o narcisismo ao extremo de imaginar a realidade de contato com o outro, sem emoção, até o ponto que pode destruir sem alterar-se. Há muitos psicopatas cívicos e não só nas cadeias...

Mas em menor escala, há também um nível de emocionalidade reprimida, de assepsia  de um certo estado apático, ao qual o elemento narcísico é maior cada vez mais, por ir perdendo a capacidade de contato com o outro.

De certa forma, os mecanismos sociais aos que estamos imersos, facilitam esta falta, criando modelos de referência que limitam a possibilidade de construir um modelo próprio de identidade, forçando ritmos e dinâmicas que distrepsia e rompem com nossa capacidade de atuação espontânea e no fundo, facilitando um individualismo baseado principalmente no amor aos objetos, ao ter ao invés de favorecer o ser e o estar. Como dizia Erich Fromm, prevalece o ‘ter’ sobre o ‘ser’.

Assim, vamos criando uma sociedade que tende a valorizar cada vez mais o ser humano por ter muitos objetos e, entre esses objetos muitas vezes estão as pessoas, e entre estas pessoas, muitas vezes está o casal. As vezes estar com alguém pode ser algo estético. Em muitas sessões de casais que fazem terapia essa sensação aparece, sobretudo na mulher, de sentir-se ‘um vaso de flores’, isto é, sentir que seu companheiro está ao seu lado porque se veste bem, porque é bonita, tem estilo e que cai bem nas reuniões sociais. Não se sente amada, senão possuída. O pertencer prevalece sobre o ‘estar com’ e este, é um problema que se aborda frequentemente nas terapias de casal.

Também é comum que o período inicial de apaixonar-se vá modificando até o ponto de de fulminar o motivo inicial do encontro e a realidade cotidiana passa a ser vivida de maneira estranha, convertendo-se numa convivência por interesses materiais compartilhados, mas onde o afeto vai desaparecendo.

Este é o risco da instituição do matrimônio, podendo cair em uma rotina em que se desenvolva uma relação perversa, porque qualquer motivo será válido para permanecer, para não perder algo que se sente próprio. O que num princípio é qualitativamente bonito, faz parte do instinto, da visceralidade, converte-se progressivamente em um monstro, que vai devorando toda flor que existe ao seu redor. E um dos promotores deste processo é este traço narcísico do qual falei, que, todos de alguma maneira temos, e que entre outras coisas nos impede assumir de que as coisas são temporais, de que a vida é temporal, de que temos um tempo de existência vivendo e portanto, com um ritmo existencial de atemporalidade, com a sensação de que vamos a ser sempre os mesmos e que tudo ao nosso redor vai seguir igual.

No nosso esquema psíquico procuramos sempre uma evitação da mudança, da mesma maneira que existe uma homeostase fisiológica que nos permite um equilíbrio frente aquilo que pode ser nocivo. Inconscientemente evitamos qualquer movimento que possa supor romper os esquemas de espaço temporal sobre os que sentimos uma certa segurança, e por isso, falar sobre o final de alguma coisa, sempre cria uma ansiedade, por conectar com nosso temor ao final da vida e com o temor à morte, que neste momento, na sociedade, é um tema mais tabu que o do sexo.


O VALOR DA CRISE

Quando iniciamos uma relação, todos sabemos que pode terminar, mas realçam na legalização desta instituição a frase: ‘Até que a morte os separe’, significando: ‘até que algo externo a nós nos separe’. O que limita a liberdade de decisão, que para que existisse, seria certo modificar por: ‘Até que a morte daquilo que motivou nosso encontro nos leve a separarmos’. Isto é, até que a função da relação deixe de existir e acabe seu dever. E se a função do casal humano é a de desenvolver a capacidade amorosa de cada indivíduo, pode ocorrer que este sistema passe a não ser válido para o desenvolvimento pessoal de um de seus membros e a partir deste momento, há de haver um replanejamento real e aceitar a  crise. Já não é mais como antes, algo aconteceu, e assim, temos que afrontar uma nova realidade. Aceitar a crise  não significa necessariamente a separação, mas que poderia haver uma mudança qualitativa importante onde exista um maior encontro afetivo e mais comunicação. Mas para isso, primeiro há de assumir a realidade, a crise.

Esse conflito pode vir motivado por uma mudança de valores individuais, por um novo trabalho, pela entrada de uma terceira pessoa no marco sexual, pelo nascimento de um filho, pela morte de algum familiar,  ou por qualquer outra circunstância cotidiana que influencie diretamente na psicologia da emocionalidade, repercutindo em seu ecossistema mais próximo.

O casal, é um sistema vivo, ao qual ninguém pode garantir o que irá acontecer amanhã, porque ninguém pode garantir o que nos acontecerá individualmente. Em momentos determinados, o impacto é produzido de maneira traumática, porque perdemos a capacidade de darmos conta do que está acontecendo ao nosso redor e perdemos o contato com o que está acontecendo com nosso companheiro/a, quem logo irá expressar sua falta de desejo sexual, sua pouca motivação para compartilhar atividades, ou a presença de uma terceira pessoa, ou seu interesse pela separação. O problema é dos dois, de quem não se dá conta e de quem acreditava que o outro estava percebendo. Chega um momento em que o bloqueio na comunicação facilita o uso do imaginário e da criação e interpretação da realidade.

Neste momento é quando necessariamente temos que assumir a crise, o que implica em reconsiderar três níveis fundamentais: a) O cognitivo, ou seja, como nos comunicamos, quais níveis de transmissão de valores, idéias, projetos existe com esta pessoa. b) O emocional, avaliando qual o nível de afetos que existe: carinho, tristeza, anseios, frustrações. c) A capacidade de prazer que tenho com esta pessoa, de gozo, de abandono sexual.

Um bom teste permanente no casal é ir analisando qual destes aspectos vão enfraquecendo na relação. Estes três aspectos têm uma grande importância, porque no fundo estamos falando de um sistema que é compartilhado na vida cotidiana. Haverá momentos da vida em que se dá mais importância a essa empatia sexual e momentos que será mais importante a afetiva, a cognitiva ou a identificação laboral e social. Depende de momentos vitais, de idades e de circunstâncias, mas estando presentes significa que está havendo uma vivência global na relação. Se isso não acontece, evita-se o crescimento e o desenvolvimento de facetas vitais para as duas pessoas, que então viverão fora da relação.

Essa necessidade parcializa-se, divide-se, começa a separar-se e romper progressivamente a relação do casal. Estes três níveis nos indica o momento real do casal e nos permite, quando não haja outra saída, considerar a possibilidade de perceber que é um momento definitivo em que já não há possibilidade de reconstrução. Até este momento poderia estar condicionado pela marca amorosa e, em um último ato de amor, deveria procurar-se a morte deste sistema desde uma perspectiva de transformação criativa para que cada um dos membros pudesse continuar seu caminho de maneira criativa. Isso significa viver esta separação, não como um fracasso, mas como uma mudança, como um final que facilita uma transmutação.

Inclusive na sociedade norte-americana, onde estatisticamente há mais separações, comparado aos países nórdicos na Europa. Muito interessante ver como a nova relação tenta ocultar ou negar, esquecer a relação anterior e isso, se observa na relação com os filhos. Quando um filho de duas pessoas passa a viver com o novo relacionamento da mãe ou do pai com um novo matrimônio, este filho chama de ‘papai’ ou ‘mamãe’ a esta nova pessoa, talvez para evitar um conflito cotidiano, tendo que esquecer as origens do passado. Algo esquecido é algo que é vivido com culpa, que se há de esconder. Não temos porquê negar nossa vida. Pudemos viver um tempo com esta pessoa e agora, estamos com outra, mas esta pessoa não morreu fisicamente, não desapareceu, ainda mais sendo mãe ou pai de nossos filhos e exerceu esta função um determinado tempo. Mas como habitualmente as separações são produzidas em situações já extremas, o que permanece é o ódio e a destrutividade e frente a ela, o único que resta é esquecer.


MEDIDAS DE PREVENÇÃO FRENTE UMA SEPARAÇÃO

No processo de separação, as consequências familiares devem ser cuidadas. Também deve-se assumir a responsabilidade que, como ecossistema social, o matrimônio tem com aqueles que sobrevivem a este ecossistema, que são os filhos. A família é um ecossistema compartilhado em que as crianças se nutrem e se desenvolvem, assim, quando se notam afetados pelos processos dos adultos, sendo as pessoas que podem facilitar o desenvolvimento dos filhos, ou que podem frustrá-los e criar dinâmicas de auto-adaptação mais ou menos violentas. Não é o mesmo que uma separação aos quatro anos que aos oito anos ou aos doze, porque a dependência afetiva, nutritiva  com o ecossistema, é maior ou menor, assim, a possibilidade de Objetivar as coisas com os filhos dependerá principalmente da idade. Porém, não há uma idade melhor que a outra, o que nos cabe analisar são as consequências de cada situação concreta e procurar a forma de avaliar os efeitos negativos. Mas está claro que a partir dos dez e doze anos, já há uma capacidade de assimilação grande dos efeitos do ecossistema e portanto, o distúrbio que possa ser provocado é menor que aos três aos seis anos, idades em que a criança vive um processo de assentamento bem delicado, por estar introjetando os modelos de referência familiares.

O mais importante é que o processo de separação seja progressivo, com certo ritmo e que seja o menos violento e o mais compartilhado possível, que seja um processo de cumplicidade, ao que as crianças, a partir de determinada idade possam participar também, ou seja, ser conscientes do que está acontecendo. Normalmente a separação é vivida como algo que corresponde somente ao homem e a mulher, mas se há filhos, há um sistema familiar mais complexo, então, é importante considerá-los desde o princípio para que eles entrem nesta realidade. É um grande erro separar a realidade dos adultos e a das crianças, porque as crianças captam o que acontece, mesmo se tentamos evitar os conflitos, as discussões, os afetos negativos. E ainda sentem que não são levados em conta, que não são reconhecidos, vivendo esta experiência na solidão, o que agrava mais o conflito, porque a criança se isola, sentindo-se deslocada da realidade familiar.

Por isso é importante que desde o início a criança possa viver a separação como um processo  mais natural e humano possível – porque é humano, e o ser humano vive pulsões e afetos de todos os tipos – e faz parte da realidade que a criança tenha acesso ao mundo adulto, que conheça na medida de suas possibilidades essa dinâmica de desamor entre os pais e  não desamor a eles.

Importante assinalar isso, pois há um mecanismo inconsciente produzido em algumas crianças, pelo qual, se não se torna consciente da realidade do  adulto, é possível que depois podem sentir-se culpados pela separação dos pais. Em sua imaginação, algo fizeram mal, será uma carga que sempre levarão com eles, observando isso depois na psicoterapia de adultos quando foram filhos de famílias separadas.

Para evitar esta culpabilidade, seria bom que participassem do processo e que esta situação de desamor fosse compartilhada com os pais. Isso potencializar na terapia de família durante os processos de separação. Deve-se assumir que para os filhos a maioria das separações dos pais - exceto as que são produzidas num clima de extrema violência – sempre há uma grande dor e um estres para os filhos, porque sua dinâmica cotidiana é dividida e além disso, o mundo conhecido e idealizado é derrubado. Este estres dependerá da atuação dos pais que se separam e da família e amigos que estão ao redor. O processo deve ser acompanhado sutilmente, facilitando a dês dramatização do fato, vendo as vantagens que isso possa ter, comunicando claramente que esta separação é real e evidente. Sem dar espaço a ambiguidades ou dúvidas e muito menos deixar a responsabilidade de uma possível volta a outra pessoa: ‘é a tua mãe que não quer voltar, por mim, tudo continuaria igual...’ ou: ‘é teu pai que não quer...’ Estes são os sintomas das dinâmicas perversas que são desenvolvidas nestes momentos de dor e de mudança e que tanto faz se os filhos sofrem ou não. O importante é que houve a separação e a partir daí reestruturar, organizar as coisas e, entre todos, ver como pode ser melhor para todos a nova vida cotidiana (viver perto do colégio, etc). Os pais devem evitar consequências dramáticas para os filhos.

Neste processo, é importante que a entrada de uma terceira pessoa (companheira/o do pai ou da mãe) na vida cotidiana dos filhos, seja feita de maneira gradual y progressiva evitando surpresas, estando de acordo com  especialistas como S. Goldstein. Nossos filhos têm que ir conhecendo esta nova pessoa pouco a pouco, com tempo necessário para que seja construída uma relação, até que então, possa a ir viver com eles.  Esta situação planejada com os filhos, permitindo que deem sua opinião, que sintam-se protagonistas e comecem a integrar esta nova pessoa sem o intuito de substituição do pai ou da mãe. Todos estes elementos são avaliados no espaço terapêutico e preventivo nestas situações.


QUANDO É NECESSÁRIO UMA TERAPIA DE CASAL?

Como disse anteriormente, a ideia de separação é vivida como ideia de morte, e portanto, como algo terrível, sobretudo quando são criadas estas dinâmicas de tipo funcional psíquica e emocionalmente falando. No momento em que o outro realmente não está, a pessoa conecta com o pânico de perder sua própria sensação de existir.

Por isso em muitas separações aparecem autênticas depressões, por começar a viver uma forte sensação de vazio, em que perde o sentido da vida. Estas reações são sintomas que refletem a forte dependência criada em que o outro ‘lhe roubou a alma’.

Em muitos casos, por intuir isso, algumas pessoas se negam a deixar o casal tentando por todos os meios brecar a separação e evitar conflito. Se coloca em uma posição estática, em que faz aparecer o sofrimento crônico. Neste momento é quando esta instituição começa a perverter-se, porque são criados mecanismos para evitar o contato com o fato de que o casal possivelmente já não facilita a função originária. Possivelmente porque primeiro é importante assumir a crise e permanecer nela, tentar evoluir juntos, tentar que esta mudança seja positiva para os dois e procurar que esta relação possa ser modificada. Isso pode acontecer dentro do casal ou com a ajuda de um especialista em terapia de casal, sempre que as duas pessoas estejam de acordo de que sozinhos, não possuem esta capacidade de resolução.

Mas se durante um tempo a mudança não é produzida e com isso, há muito sofrimento, mesmo que seja para uma das duas pessoas, há de planejar-se a finalização como algo positivo e necessário, vendo como o que permite a liberdade de movimentos afetivos de ambos membros do casal e seu crescimento individual. O fracasso está na covardia de não assumir esta realidade e de pensar ‘você me evitaria sofrimento estando comigo’. Com esta posição a outra pessoa entra em defesa, em violência e na destrutividade, situação que pode permanecer no tempo, afetando a todos os membros do sistema familiar, como já disse anteriormente.

Os seguimentos que fizemos em clínica das famílias que vivem em dinâmicas destrutivas, mostraram a existência de dois tipos destrutividade. A digital, que é a violência direta, e a analógica, que é a sutil, como a chantagem, a ameaça, a culpabilidade. Lembro de um casal em que o marido, entrava em uma reação cardíaca, a ponto de ser levado ao hospital a cada vez que percebia a atitude de sua mulher de dizer algo conflitivo. Automaticamente ela abandonava a idéia  porque ‘não podia sentir-se responsável da morte de seu marido’. Assim estiveram dez anos até chegarem ao consultório e decifrarmos a chave do “doente imaginário” (Moliere). Não morreria, mas ela, com razão não se arriscava e inibia o movimento. Ele sofria por se dar conta de que estava criando uma resposta de evitação do conflito e que sua mulher não era feliz, mas ele também não podia evitar esta situação psicossomática.

Recorrer a instrumentalização dos filhos também é bem frequente, deixando o outro membro do casal responsável pelo mal-estar e sofrimento que vive a criança para evitar o processo de separação. Ou até dinâmicas de chantagens em relação ao aspecto econômico. Neste caso são as mulheres que estão mais vulneráveis, tendo que ceder seu desejo de mudança pelo medo de não poder encarar a realidade cotidiana com uma economia que permita-lhe sobreviver, pois são muitas as mulheres que não desenvolvem dinâmicas laborais fora do lar.

Mas, como vamos observando, todas estas atitudes provocam uma dinâmica destrutiva que vai paralisando cada vez mais a possibilidade de um reencontro afetivo e amoroso, levando vidas paralelas e cada vez mais distantes, convertendo a convivência num espaço de sofrimento e ódio, acompanhados de solidão compartilhadas por interesses e medos. E enquanto o tempo segue seu curso, havendo poco tempo para encontrar novas relações e construir um novo sistema familiar.

Este momento é quando a psicoterapia pode ajudar, quando realmente uma pessoa não pode abandonar seu companheiro/a, por sentir-se culpado ou por medo da solidão e do vazio existencial, adotando posições sádicas e pressionando, culpabilizando ao outro/a ou entrando numa posição de vítima, reflexo da típica relação sadomasoquista que domina os relacionamentos em nosso sistema social.

Sabemos que é possível criar transtornos psicossomáticos por conflitos conjugais mal resolvidos, tão grave quanto há violência direta, alcoolismo ou problemas com drogas. Dentro destes conflitos, para os que a atenção clínica é necessária, encontra-se a resposta de algumas pessoas com a violência doméstica. Existe uma grande quantidade de mulheres maltratadas que mantém o casamento sem denunciar o marido, chegando a justificar as ações violentas. Nestes casos, a vítima não pode deixar de sê-lo, porque é maior o sofrimento que sente se imagina a dissolução deste casamento, que o sofrimento por compartilhar uma violência doméstica permanente. Dentro desta violência há níveis de estres  e sofrimento patológicos bem fortes.

Por isso, frente a um conflito relacional, há apenas duas alternativas criativas: A de sair juntos da crise e aprender com ela para encontrar uma maior satisfação na relação, ou, a separação, mesmo que seja somente uma das duas pessoas que queira depois de encarar a crise em comum. Permanecer juntos neste estado de confusão, sofrimento, insatisfação, incomunicação, ausência de atração e desejo e, inclusive violência e sadismo, implica num estado de patologia a dois  mantida.

E não é questão de procurar culpados. É certo que sempre há um desencadeador, mas a realidade é que este sistema relacional simplesmente deixou de cumprir a sua função.

Mas geralmente cada qual vê culpado ao outro/a acentuando-se a paranoia social, a sensação de ameaça que vicia a relação, impossibilitando ainda uma separação civilizada e minimamente afetiva e amistosa  Esta é a obra das funções da psicoterapia focada na atenção de casais: Permitir uma separação criativa, com um processo de luto razoável e sem que os filhos sejam os ‘bodes expiatórios” do sofrimento e frustração dos pais.

Permanecer na crise, aprender com ela e encontrar uma saída entre os dois, ou mesmo individualmente, mas de maneira criativa, seriam os objetivos principais da terapia neste momento. Para isso, é necessário compreender a lógica caracterial de cada membro da família e a particularidade de seu sistema relacional. E desde aí, abordar os quatro aspectos que caracterizam o casal: A comunicação, o manejo das pulsões no cotidiano, a sexualidade e os projetos em comum.

Se bem que é certo que a psicoterapia tem uma função mais importante, que seriam as medidas preventivas, que todo o casal deveria tomar para não chegar ao ponto de recorrer a ela. E das mais importantes seria a de que houvessem espaços de comunicação, momentos para aprofundar na relação, momentos de prazer, de expansão, de elaboração de conflitos, de escuta ao outro. Momentos para poderem se olhar, momentos de carinhos, caricias e amor. Momentos próprios, genuínos, criativos, compartilhados também com outras pessoas. Momentos que podem prever o embrutecimento, consequente da monotonia, a rotina e a evitação do contato. Se somos capazes de permanecer nesta dinâmica, a experiência de casal, dure o tempo que for, será sempre gratificante e haverá cumprido sua função para seus membros, o desenvolvimento da nossa capacidade de amar. 







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